Os sonhos são portais para nos
encontrar com pessoas que conhecemos ou que iremos conhecer, e hoje eu lhes
conto sobre o sonho que conheci você:
A Caçada
Eu estava preocupada, já fazia
muito tempo que estávamos em seu encalço e não conseguíamos capturá-la, era
uma traidora, ou desertora, a busca era tão antiga e tão longa que já não nos
lembrávamos os motivos dela. Mas isso era indiferente, no final ela não tinha
para onde correr, a fuga só prolongaria a sua dor. A cidade em que havia se
escondido era um labirinto de prédios e barracos, uma mistura de favela indiana
com construções marroquinas.
Eu e meus companheiros
estávamos cansados, mas dessa vez eu sabia que estávamos na direção certa. Eu
me ajoelho para tocar a poeira do chão, passo os dedos pelo pó e sinto sua
presença, vejo os folículos brancos de suas penas - está tudo certo - o lugar é
este, desta vez vamos pegá-la. Ainda de joelhos eu reparo no local, o terraço
do casebre que me encontro é o mais baixo das construções locais, olhando para
baixo vejo pessoas andando de um lado para o outro como formigas ocupadas, por
toda a volta são visíveis construções subindo em direção aos céus desordenadamente:
edifícios sem qualquer acabamento, tijolos e concretos expostos como carne viva.
Alguns deles interconectados por passadiços improvisados de vergalhões e
madeira, outros possuem lonas amarradas como se estivessem protegendo a visão
de quem olha de cima. A visão do céu também tinha que brigar com o emaranhado
de cordas e arames que estendiam os variais de roupas e itens à venda, o pouco
azul que sobrava era dedicado aos pombos voando de um lado para o outro.
Sinto a presença de meus companheiros
atrás de mim, suas sombras se projetam à minha frente, eu saco minha espada e
olho para cima, está na hora. Ela já sabe que estamos aqui, preciso agir
rápido. Respiro fundo e me preparo para a batalha, abaixo minha cabeça e
permito que minha coluna fique exposta, a sensação que deveria ser lacerante não
passar de sons e estalar de ossos, romper da carne e expulsão de membros, no
fim, não há dor, somente alívio. Estou pronta, mais que isso, estou acostumada.
As asas negras despontam de minhas costas em direção ao céu azul, brigando por
espaço junto dos outros elementos da cidade, elas são grandes demais para
aquele local, mas serão o suficiente para alcançá-la.
Eu olho para cima e vejo um
vulto passando rapidamente por entre os prédios, asas brancas saltando em
desespero - é o nosso alvo. Com um comando ordeno que os outros vão atrás dela,
sem muito esforço eu salto em direção à uma armação de ferro tentando alcançar
o próximo nível, e de novo, e de novo, vou em direção às asas brancas. Em certo
momento, elas me notam, e começam a fugir, a perseguição acontece em meio ao
emaranhado da cidade, a adrenalina latente e a sede da caçada consome meu
corpo, posso sentir os músculos se enrijecerem com cada golpe lançado ao ar, o
peso da espada que fatiava os céus em busca do alvo, o tremor da raiva de cada
erro, a flexão das pernas com cada salto. A caçada era longa, meus outros
companheiros fechavam o cerco como lobos de uma matilha, atiçando e guiando a
presa para o local de abate, até que conseguimos expulsá-la para fora do
emaranhado da cidade, para o céu aberto. Ela foi primeiro, voou em direção ao
sol projetando sua silhueta contra a luz, impedindo que fosse reconhecida,
sendo apenas perceptível o par de asas brancas contra o céu iluminado, os outros já estão em sua
posições, impedindo a fuga do golpe final, e eu, como um lobo faminto, salto em
sua direção, a mão direita brandindo a espada e a esquerda buscando agarrar a
presa, os dedos se aproximam lentamente das plumas brancas, os batimentos são
sentidos na garganta, os olhos fixos no alvo, o braço tenso pronto para
golpear.
Eu acordo,
Braço esticado, punho cerrado,
pernas cansadas, e coluna dolorida.
O que foi isso? Que sonho
bizarro. Quem era você?
....
Doze anos depois eu ainda me
lembro deste sonho como se fosse ontem, e da sua cara de surpresa ao saber quem
eram as asas negras que te perseguiam pela cidade favela, da reação dele ao
saber que nunca havíamos nos falado quando compartilhamos este sonho, e de nossa
curiosidade do: Mas por quê?
Na minha cabeça ainda exitem
dúvidas: Qual o significado disso, e quem são as presenças ao meu comando que
eu conhecia tão bem? Será que eu vou um dia encontrá-los, será que eu já os
conheço?
E o mais importante: Que merda
você aprontou comigo?????