Outros contos roubados - 4 de Copas: O arco-íris
Ou
Quando você percebe que sofrer passa a ser uma opção após a perda.
Por Call me Eros.
Colocou os braços, um de cada lado do prato de comida.
Refletiu por alguns instantes e se lembrou da obrigação imposta pela família
sobre a oração agradecendo pelo alimento. Não queria desagradar a Deus.
Orou.
Colocou o garfo na comida e levou à boca.
Experienciava a comida da mesma maneira como levava alguns
setores de sua vida, indiferente.
Relacionamentos e sentimentos eram um exemplo claro, não
dava vazão e nem valor para sentimentalismos. Toques, carinhos, afeto eram
áreas desconhecidas, um imenso deserto sem oásis.
A esposa falecera anos atrás e era quem ele permitia alguma
aproximação, muito embora ela entendesse o marido e não forçasse nada. Também
por já ter se acostumado. Sentava no sofá, arrumava seus óculos e após uma manhã
cansativa de atividades domésticas se deleitava em programas de televisão, de
noticiários a programas de auditórios e vez ou outra trocavam algumas palavras,
uma vez que intelectualmente sempre estiveram lado a lado, rindo das mesmas
piadas e compreendendo o mundo da mesma forma. Depois, quando ele voltava para
o trabalho, ela passava para a segunda parte da limpeza, até que ele chegasse
ao anoitecer.
Criaram os filhos da mesma forma, todos racionais sem que
dessem grande valor para sentimentalismos exacerbados. E tiveram êxito. Ao
menos pensavam assim.
Mas hoje a televisão estava desligada, a casa em silêncio e
o prato, vazio.
Ouvia o vizinho esguichar água em seu jardim. Ele cuidava do
próprio jardim e quando tinha tempo também do dele. As gotículas de água
entraram pela janela.
Na mesa à sua frente, formou-se um arco-íris. Ergueu a mão
na tentativa de tocá-lo.
Se emocionou.
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