Bem Vindos!



Bem Aventurados os que entram no Bosque da Lua Carmim!

Se você chegou até aqui, bem vindo!

Se foi convidado, sinta-se à vontade para sentar à volta da fogueira e ouvir As Sete Cantadoras, suas histórias, delírios e mágoas, a assistir às declamações apaixonadas de Eros e o ardor de suas palavras!

Agora, se chegou com as próprias pernas ... bem ... não se engane, por trás da dança, da bebida e da fogueira também está o covil da loba: local onde ela guarda os ossos que desenterra no escuro e lambe as feridas da carne e alma.

De qualquer forma, você está aqui, se seguiu o brilho alaranjado da lua, ou se simplesmente está perdido no escuro, olhe onde pisa e divirta-se, as histórias estão ditas para aqueles que querem ouvir.

Novamente, bem vindos.

domingo, 29 de abril de 2018

A jornada dos Reis, suas passagens e ensinamentos - Capítulo 3

Oração nº 11 – A Força do fio de Prata.


Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Augusto dos Anjos



Adeus querida amiga

O General olhava cansado para o trono vazio, novamente não era vez a dele sentar ali, remoía silenciosamente o ódio de ter sido rejeitado: Depois de tudo que havia feito por aquela coroa maldita! O velho rei deveria tê-lo nomeado quando decidiu se retirar! Só ele seria capaz de colocar ordem no reino! Depois de tudo que ele deu! Depois de todos que ele perdeu 

Sim, depois de tudo que ele abriu mão... 

As lágrimas surgiram rápidas aos seus olhos, só as percebeu quando elas já molhavam suas mãos, travou os dentes com tanta força que ele podia os ouvir ranger em seu crânio, a sua face ficou ainda mais vermelha ressaltando os cabelos prateados que decoravam sua cabeça, num movimento feroz fechou os olhos bem apertados, forçando as lágrimas a saírem e a não voltarem a escorrer mais. 

Mas de olhos fechados, ele podia ver cada erro que cometeu que o levou ali, cada falha estratégica que custou ao reino tantos recursos, cada “conselho” que deu custando fiéis súditos e aliados tornarem-se inimigos, em busca de quê? De um trono para sentar-se? De poder? De um lugar para chamar de seu? 

- “Não” – replicou à si mesmo – “Eu mereço estar ali, depois de tantos anos de guerra e de tantas batalhas vencidas, o conselho deveria ter me reconhecido como o único capaz de preencher o lugar velho rei. Eu dancei a dança das lâminas mais vezes que tenho fios de cabelo, eu saí vitorioso sobre terras ainda não desbravadas, eu conheço esse reino como a palma de minha mão.” 

Quando abriu os olhos furiosamente, ele encontrou a bruxa cabisbaixa recolhendo o estandarte com o brasão de sua mentora com muita reverência: dobrava cuidadosamente o tecido de forma que o brasão ficasse voltado para cima, permitindo que o entrames dourados emoldurassem o brasão. Ele a viu colocando o símbolo dobrado sobre o assento da cadeira, e como se estivesse se despedindo, ajoelhou-se uma última vez aos pés daquele lugar como havia feito tantas vezes, levantou-se, fez uma reverência, pegou o tecido e foi-se, deixando a cadeira de negociante chefe vazia. Com o rabo de olho pode ver a aprendiz mais jovem da ex-negociante atrás da coluna de joelhos, atônita, com as lágrimas caindo sem parar de seu rosto. 

A cena o atingiu como uma faca no peito, realmente, de todas as perdas em sua jornada pelo trono, o que ele nunca se perdoaria foram todas as discussões e acusações que levaram à cabo a negociante chefe. A sua cabeça começou a latejar com o remorso, lembrava-se das vezes que a acusou de incompetência e de tentativa de plotar contra ele, de como sujou seu nome nas tavernas em momentos de fúria bêbada por ter planos de ataque recusados pelo conselho à orientação dela. Lembrou-se de como tentou iludir o braço direito dela com promessas de patentes em seu exército caso se juntasse à ele, e de como ele sem querer, fez a cabeça do conselho contra ela, numa inocente tentativa de trazer mais brilho à sua pessoa. 

Tudo em vão. 

Não há mais negociante chefe, não há mais aliados, não há mais súditos, seus recursos agora são limitados, e alguém que ele não conhece sentará-se na cadeira que foi dela, e ascenderia à cadeira que deveria ser dele. 

Só lhe resta a bruxa e a jovem aprendiz, caso estas não saibam como tudo aconteceu, ou caso saibam, que possa acalmar seus corações e perdoá-lo pelo o que fez sem intenção. Ele nunca quis aquilo. 

Pela janela do saguão, ele podia ver luz intensa da pira funerária levantada em homenagem à negociante chefe. A celebração havia começado, mas ele não teria coragem de ir se despedir dela. 

Ademas, ele seria o próximo, mas eles não o levariam sem luta, antes de ter seu pescoço cortado, ele levaria mais alguns com ele, mostraria à todos por que seu brasão era um leão de prata, daria a todos um espetáculo que seria cantado por gerações nas tavernas, o dia que a juba prateada do leão dançou a dança das lâminas sua última vez, e talvez com sorte, iria se redimir dos seus erros. 

Mas até lá, ele teria que ser forte, como sempre foi, afinal de contas, ele ainda não estava derrotado. 


- Contos da Jornada da Conquista, A Pira Funerária – Prólogo.



sábado, 21 de abril de 2018

Um sonho para antes de você chegar - Laço


Sabe quando você conhece uma pessoa nova, mas tem a sensação de que já conhece essa pessoa desde sempre? Às vezes nos encontramos com essa pessoa por muitos outros caminhos, seja numa outra vida ou em algum lugar de nossa mente.

Por todas as sete.


Em todas as vezes que o vi, era como um dia claro de inverno: com o azul brilhante e nuvens brancas decorando o céu, o sol amarelo ofuscando os olhos, radiando um calor gentil sobre as pessoas que andavam por entre a brisa fria.

Eu estava sentada esperando ele passar por mim, eu não sabia direito quem éramos, eu havia acabado de conhecer ele. Era uma pena que ele quisesse tanto morrer, não era bom da cabeça, sempre nos preocupando. Ficamos amigos rapidamente, andávamos por entre os jardins da escola, desvendando árvores, insetos, flores e frutos. Juntos víamos os porcos espinho de cobertura branca, parecendo de vidro caminhando pelo mato, era possível ver borboletas brilhantes e outras criaturas que nunca seriam descobertas. Um certo dia, num frágil momento ele sumiu, eu corria desesperadamente, buscava por ele num labirinto de folhagens, o labirinto era imenso; apesar de ser dia, as esquinas eram escuras e frias, quase desabei quando percebi que não poderia o encontrar, as lágrimas me vieram aos olhos. Ele me assustou propositalmente ao se revelar onde estava, o sorriso besta ao ver como minha expressão de susto se tornou raiva, ele riu, eu fiquei brava. Corremos por vários lugares e descansamos sob o sol, éramos felizes e muito jovens. Fechei os olhos respirei fundo.

Eu ria tomando minha taça de vinho provocativamente, quando abri os olhos podia fitá-lo observando atentamente as reações que ele tinha ao meus comentários e perguntas: "e o que você faz para ganhar dinheiro além de trabalhar?",  - Eu planto arroz - disse ele meio sem jeito. Eu riu novamente, com um sorriso malicioso no rosto eu pergunto: “você também vende palha de arroz?” ele ri e – “Não vendo não, tudo é muito informal”. Eu mexo no meu prato ajeitando a comida, uma brisa suave atrai minha atenção para a vista que havia da sacada: um campo de flores brancas e lilases selvagemente arranjadas, árvores soltas pelo espaço e coretos arranjados no imenso verde. Aquilo era bom, a conversa e a sinceridade, ele já era meu naquele ponto.

As ruas estavam cheia de gente, pessoas caminhando despreocupadamente. As passadiças era de pedras arranjadas tão uniformemente que não havia desnível, o cheiro era de água salobra e ar parado, as casas antigas e arruinadas mostravam o impacto da inundação que havia destriído a terra. Eu procurava por alguém, eu não sabia exatamente quem seria que eu encontraria naquela cidade, o homem era um pesquisador, ele entendi a submersa e seus segredos. Ele havia sido dado como sumido pelo governo, depois da crise que havia destruído parte da população afogada, o mundo não era um local seguro para quem defendia o mar. Em um piscar de olhos ele surge entre a multidão parado me encarando, a sensação de alivio toma conta do meu corpo, eu corro atrás dele, o seguro pelo braço e peço que ele me leve com ele, eu seria sua aprendiz e não deixaria que ele se perdesse mais, ele não estaria mais em risco com ele mesmo. Com firmeza nos olhos ele questionou: "Você tem certeza que é isso que você quer?", eu concordei, ele me arrastou pelo braço água à dentro, o mundo havia sido inundado, prédios e cidades inteiras submersas. De repente, agentes do governo nos seguem, os homens dotados de armas e equipamento de mergulho nos cercam por entre os corredores subaquáticos, a sensação é de medo e desespero, eles simplesmente não podem nos pegar! Eu me perco do pesquisador, os agentes me pegam, eles injetam em mim algo como um jato de gás garganta a dentro, e então, eu não preciso mais de equipamentos, eu percebo que posso respirar debaixo d'água. Quando isso acontece, eu agradeço os agentes, e o pesquisador aparece observando ao longe, também sem equipamento. Quando o questionei se ele sabia o porquê eles nos perseguiam, ele assentiu com a cabeça concordado que sim. Agora nosso lar seria ali, não éramos um casal, não éramos unidos romanticamente, mas não havia mais volta. Ele decidiu que me levaria à sua casa e me apresentaria os seus pais para mim: A primeira vez que estive ali a casinha era muito antiga e com um estilo rústico fascinante, remetia a algo medieval, pedra, e adobe, o chão era um misto de chão batido com azulejos de adobe pintados à mão, remetendo à algo português, ela ficava à borda da saída das águas. Havia uma capela ou um altar em quase todos os cômodos. Seus pais eram gentis, e me adulavam bastante. No dia seguinte, a casa era de madeira, mais moderna e vazia, apenas um de seus pais apareceu. No terceiro dia a casa era banca com tijolinhos à vista, eu me questionava qual a necessidade dele de mudar a casa tantas vezes, o local era sempre o mesmo, mas a casa era outra, como se colocada uma encima da outra. Nos sentamos ali e assistimos o tempo passar agora, tranquilos.

Nós éramos jovens encrenqueiros, queríamos derrubar o governo, destruir grandes instituições, trazer a justiça pelas mãos da revolução: eu treinava hamisters kamikaze, ele só queria ver o circo pegar fogo com sua influência. Após muito treinamento e tentativas falhas de dominar o mundo, dois pré adolescentes decidem comer, aparentemente minha mãe vendia comida em uma caminhonete que seria da minha avó, ela me questionava sobre minhas decisões, mas eu ria, me divertindo com a preocupação dela. Os ratos treinados iriam fazer seu papel naquela noite, quando fechava os olhos e eu pude vê-los enquanto comia, entrando por tubulações e explodindo locais e pessoas importantes, eu ria sem parar. O meu jovem parceiro aparece e me abraça. Somos Bony&Clayde, rebeldes fora da lei.

No fim, são apenas sonhos com alguém que nunca vi, mas que sempre conheci.

O conquistador do Cálice



Por Call me Eros.





Tamborilou os dedos no mousepad refletindo quais as próximas linhas a serem escritas do trabalho de conclusão de curso. O braço se apoiando na mesa e a mão esquerda segurando o rosto, os olhos passaram da tela do computador para a xícara de café frio e se detiveram na janela e no sol de fim de tarde que entrava pelas persianas.

De alguma forma estava faltando algo, um sentimento estranho de saudade misturado com uma breve ansiedade pelo encontro. Ainda que evitasse e completasse seus dias de atividades físicas e sociais, ainda sentia um pedaço de si deslocado e perdido no outro.

Seu amigo andava silencioso por aqueles dias e acabaram por ter pouco contato, o que alimentava a saudade. Se convenceu de que esse tipo de coisa acontece quando duas pessoas possuem vidas que são bem diferentes entre si, mas não mentia para si mesmo sobre o quanto não gostava dessa situação – queria ele perto, o mais perto possível. Dentro de um abraço, nos seus braços. Parou. Balançou a cabeça. Não. Levou as mãos na direção dos olhos e reclinou. Não, não, não. Esses pensamentos estranhos sobre toques e contato físico de novo não. Eram bons amigos e ele não era gay. Nenhum dos dois eram. Não fazia sentido esse desejo perverso que poderia acabar com a amizade deles. Não
A campainha tocou, tirando ele abruptamente dos devaneios que jurava serem sem sentido. Colocou uma bermuda e desceu as escadas em direção à porta e mais tarde constataria que não saberia dizer se existia mágica, mas as coincidências eram muito estranhas às vezes... como pensar em alguém e essa pessoa surgir na sua frente como se – hocus pocus – plim.

- Oi – Disse seu amigo com um sorriso estampado no rosto, segurando o skate debaixo do braço esquerdo.
- Entra – ele teria percebido sua cara de surpresa e a pontada de felicidade? Seu coração bateu mais rápido.

Passaram horas conversando sobre todas as coisas que tinham em comum, desabafos e risos. Prepararam um lanche quando estava anoitecendo e se sentaram para assistir um filme de ficção científica. Que nenhum dos dois gostava do tema, mas fazer algo junto era mais importante do que as preferências cinematográficas.

Estava entediado quando percebeu o outro dormindo ao seu lado. Decidiu por chamá-lo para deitar no colchão que colocava ao lado da sua cama, ou se ele preferisse poderia ir embora. Tocou seu ombro. Sentiu arrepio. Ficou por algum tempo com a mão parada ali.

Quando o amigo sonolento abriu os olhos, virou-se e abraçou, colocando a cabeça em seu peito. Estava dormindo? Talvez. E agora? Passou a mão em seu cabelo, lentamente, e fez um cafuné. O amigo tensionou os músculos fazendo o abraço se tornar mais forte e aparentemente percebeu que não poderia continuar fingindo estar dormindo e se preparou para desfazer aquele momento, ao que o outro o segurou ainda no abraço. Suspiros.

- Acho que estou carente.
- Tudo bem, pode ficar assim.

Se beijaram.



domingo, 15 de abril de 2018

Desespero calado - dos sonhos que nunca gostei


Abusos

Havia muito tempo que isso não me acontecia, o medo, o desespero, e o terror. Mesmo me puxaram os pés e a sensação foi tão real, mesmo quando caí dentro do mar fervendo, e quando eu respirava com os pulmões daquilo, fazia muito tempo que o sentimento era tão ruim quanto este:

RESPIRE,

SOLTE,

SORRIA,

NÃO PERCA O CONTROLE,

SEJA GENTIL, O AFASTE COM CUIDADO.

EU NÃO POSSO MAIS.

SOCORRO.

POR FAVOR,

ALGUÉM,

POR FAVOR.


A convocação veio pessoalmente, mesmo que eu fosse a última opção alguém deveria ir à Alemanha fechar o negócio. - Easy cake - , dar alguns sorrisos, puxar alguns sacos, o negócio já estava aceito, eu só levaria alguns papéis para assinatura e deveria ser simpática o suficiente para que eles não desistissem; Apesar disso, meu receio real sempre foi a maldita boca grande, ser extrovertida tem seus defeitos quando trabalhamos com informações confidenciais.

O caminho até a companhia aérea foi fácil, como uma clássica interiorana eu não havia passaporte e visto internacional, essas coisas são para gente chique das cidades grandes. As pessoas eram muito educadas comigo, as simpáticas atendentes sorriam enquanto listavam as informações que eu passava, e me orientavam calmamente como quem explica à uma criança boba. Mas algo não estava correto, mesmo que sorrissem havia amarelado nele de "cuidado" ou de "pobrezinha", o olhar era de pena e descaso.

O corredor do aeroporto era longo e em um material que lembrava um acrílico em tons de amadeirado, amarelo, marrom e dourado envelhecido, poucas pessoas estavam ali, o caminho foi silencioso, ninguém me falava o que estava acontecendo. Os olhares se abaixavam com minha passagem.
(...)

Primeiro veio o cheiro de couro tratado e de móveis bem enceirados, depois a sensação de perigo.
Eu estava sentada, aguardando a chegada deles, dois homens e uma mulher se aproximam, o mais baixinho o gorducho veio me cumprimentar, ele me abraça maliciosamente, passa a mão pelas minhas costas descendo até minha lombar, eu me sinto mal imediatamente.
- não vou reagir, se eu fizer uma cena podemos perder os clientes -, eu riu sem graça e tento sair do abraço, me viro um pouco e tento alcançar a maleta com os papéis para assinatura. Não adiantou, com uma cara pior que anterior, começa a me agarrar e passar a mão no meu corpo grosseiramente, os dedos sebosos procuravam por carne para inspeção.

O pulso acelera, a pupila dilata, - O que eu faço? Não posso dar um escândalo! Será que ele vai me soltar?-

Faço movimentos mais bruscos, lutando contra o toque horrendo, não funciona, quanto mais luto, mais a besta fica sedenta, a minha repulsa é o combustível de sua deturpação.

Entro em desespero: peço por ajuda, eu grito e me debato - Por quê eles não estão fazendo nada? - o desespero ecoa sozinho na sala - Alguém por favor me ajude, ele abusando de mim -, sem resposta - ninguém vai pará-lo.

O nó na garganta chega antes das lágrimas, não consigo sequer gritar mais, o medo e o desespero tomaram conta completamente, o prazer deles inunda a sala com um peso terrível. O outro homem ri, parecendo assistir à um siticon de tendência duvidosa, para ele nada disso era anormal, afinal de contas, não foi para isso que enviariam uma brasileira? A mulher baixa sua cabeça, não conseguia sequer olhar em nossa direção.

O instinto de sobrevivência é mais forte, eu fujo de lá após bater o suficiente para conseguir escapar das mão imundas daquele homem.
Corro sem jeito, havia de voltar para o Brasil, havia uma pessoa que deveria ser meu "guia" de volta, por sorte o encontrei fora do prédio. Mesmo em desespero ele decidiu que seria por bem parar em uma lanchonete tradicional para comermos um sanduíche, ele me acalmaria e me permitiria tirar aquilo da mente. O lugar cheirava à pão assando, carnes e defumando, molhos agridoces e cerveja fermentando; Sentando-se ao balcão podia-se ver um senhor de meia idade trabalhando em uma chapa, ele mesmo preparava os sanduíches e atendia ao clientes, o guia nos pediu uma cerveja. Antes que eu pudesse contar o que havia acontecido ele inicia um discurso sobre sí mesmo e o local que estamos visitando, pouco depois, vejo alguns conhecidos, nos surpreendemos com qual seria a probabilidade de aquilo acontecer, rimos um pouco, eu me despeço polidamente e vou ao encontro do guia novamente. O pedido não fica pronto e não sei exatamente o horário do meu vôo, o guia deveria me entregar a passagem de volta. Quando questionado se comer aquele lanche não me atrasaria para o meu vôo, ele alega que havia se esquecido disso, e disse que eu já estou para ficar atrasada, muito brava eu o chamo de irresponsável, o resultado é uma explosão de raiva desproporcional, sem tempo para discussão eu saio correndo pelas ruas contra o tempo: pego um taxi e um trem, assim consigo chegar ao aeroporto à tempo.
(...)

Os dias passam e o terror que rondava minha mente com aquele abuso diminui, eu descubro na empresa que os homens assinaram os papéis e enviaram por mala direta, ao menos não havia destruído tudo. A vergonha era grande demais para fazer um boletim de ocorrência, ou denunciá-lo para o RH.

Eu caminhava por uma praça despreocupada, repentinamente o abusador se apresenta, faz ameaças e diz que minha denúncia vai acabar com a vida dele, ele não iria permitir isso: ele ia acabar com a minha primeiro, os advogados dele iam me processar por agressão, abuso e chantagem, ele iria sumir com minhas testemunhas, além de cliente ele um influenciador de mercado, eu nunca mais conseguiria um emprego. A minha vida seria destruída.

Novamente o pulso se acelera, o suor frio do medo molha minhas mãos, o terror enche meus olhos de lagrimas, não havia pensado na denúncia, depois de tanto tempo eu seria levada à sério? Minha mente começa e viajar em mil problemas e infinitas formas de me ferrar, o choque me desconcentra da realidade. Ele veio me agredir novamente, as mãos deles prenderam meus pulsos até doer, eu senti a ardência dos calos torcendo a minha pele, dessa vez eu iria apanhar, por sorte me desvencilhei dos primeiros golpes, fugindo praça acima.

Pense, pense rápido.

Aquela ameaça me obrigava a reagir, a procurar testemunhas, e correr contra o tempo, e como eu não havia dito nada na minha empresa, iria ser taxada de mentirosa, desespero, só desespero.
Ele aparece, não será possível fugir desta vez, as mão grudam em meu pescoço, o medo e a falta de ar tomam conta do meu corpo físico.

Eu acordo.
Eu sinto dor.
Eu sinto medo.
Eu sinto o nó na garganta.
Eu não posso mais dormir.
Eu resisto, foi só um sonho.
Eu vou trabalhar.

terça-feira, 10 de abril de 2018

A jornada dos Reis, suas passagens e ensinamentos - Capítulo 2


Oração nº 1 - A trilha do Rei de Espadas

"Toda reza tem no fim um amém."
A Flor e o Navio, Capela.


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A língua é afiada como uma adaga, se não notar, ela o cortará.

O pensamento é rápido como o vento, não se prepare ele o carregará.

Não aparenta emoções, os olhos vidrados enxergam apenas o seu objetivo.

Move-se apenas em frente, atravessando tudo em seu caminho,

Não atropela ou empurra, passa por entre os obstáculos,

Os fracos e os sem estrutura vão ao chão, não resistindo à força avassaladora tal qual tempestade.

Brande orgulhosamente sua espada, a empunhadura é entalhada com o seu conhecimento e a lâmina forjada pela experiência.

Alguns diriam que se trata de um homem capaz de tudo para possuir o que quer.

Outros dirão que é frio e calculista, um homem maduro, de lábia.

Ele mesmo considera-se uma pessoa maldosa,

Mas talvez seja porque acredita demais que exista o certo e o errado, e que nem sempre o que precisa ser dito ou feito julga correto.

Há aqueles que assim como eu observa em admiração,

Contempla sem julgamentos a trilha que o guia, a motivação que o carrega e as conquistas que consegue.

O Príncipe de Gládios é coroado Rei, agora precisa de castelo e terras.

Sem olhar para trás, acena aos companheiros de tantas batalhas, como que em agradecimento.

Monta em seu cavalo, saca sua espada e cavalga rumo ao desconhecido,

Com a única certeza de que será bem sucedido.


- Contos da Jornada da Conquista, A dança das Lâminas - Introdução.

***
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(16) A última visita


Caminhava com passos firmes em direção à tenda, apesar da convicção, era possível perceber uma certa incerteza em seu semblante, algo não estava certo. Ele não era das pessoas mais abertas que conheci, na verdade, por medo de que as emoções entrassem no caminho de seus objetivos as mantinha guardadas em algum lugar de sua mente e não de seu coração, reservava elas para aqueles que julgava merecedores. Ao por-se para dentro arrumou um velho encantamento dependurado ao lado da entrada.

“Você sabia que é de mal gosto manter amuletos de repulsão ao lado da entrada ao receber visitas?”

“Eu vou jogar essa velharia fora”

“Finalmente” replicou rindo.

“Ele nunca funciona, você continua entrando”

Riram juntos.

“Eu vou partir velha amiga, vim à sua tenda pedir um último conselho às cartas” – lançou um meio sorriso e continuou como quem estivesse à se explicar – “Não há mais nada nessas terras para conquistar, toda justiça que eu poderia fazer já foi feita e aquelas que não posso corrigir me corrõem, sinto-me como um carvalho em um pequeno vaso.”

“Entendo”

Saquei as cartas enquanto ouvia suas dúvidas e expectativas, ao final disse que havia sido nomeado rei, porém para isso seria necessário conquistar um novo território, terras vizinhas porém desconhecidas.

“Parabéns pela nomeação, vejo que seu futuro será brilhante, entretanto a conquista será árdua,  os obstáculos que você não transpassou aqui serão os mesmo lá, as amarguras serão as mesmas, é como dizem, muda o teatro, mudam os personagens, porém o enredo será o mesmo. A vida tem um jeito irônico de nos obrigar a aprender as liçoes às quais fugimos”

“Não me contou novidade alguma bruxa”

“Claro que não, se bem te conheço não é possível haver algo em que você não tenha pensado. Mas lembre-se: a lealdade de amigos ainda não foi conquistada, cuidado pois há aqueles que não veem com bons olhos um novo rei de gládios”

“Obrigado pelo conselho” - levantou-se rapidamente ajeitando a espada, sem jeito não sabia exatamente como se despedir.

Foi em minha direção como se fosse beijar meu rosto. Resistiu. Assenti. Não havia necessidade, não para ele.

Não para o Rei de Espadas.


- Contos da Jornada da Conquista, A dança das Lâminas - Epílogo.

Originalmente postado em: Cap3la.blogspot.com.br

A jornada dos Reis, suas passagens e ensinamentos - Capítulo 1

A saga do Cavaleiro de Copas



Ele era como Poseidon em suas águas profundas, mesmo ferido nunca abaixava a cabeça. Quando a água do mar escorria por entre as chagas e o ardor se espalhava pelo corpo, não deixava que a angústia transparecesse à todos, sozinho em seu oceano amargurava o verter do sangue de seu corpo, com o tempo, o sangue lhe fugia demais e faltou-lhe a vida, por sorte era forte, e o sol que brilhava acima das águas o chamou com seu brilho fulguroso, estava vivo!

Lentamente a própria corrente do mar o levou à superfície, o corpo frio foi aquecido pelo sol que ardia como um tapa. Foi recuperar-se longe do mar na campina, onde não poderia descer tão fundo novamente.

Mas isso também não era bom.

A Campina era bem aventurada e pacata, mas aos poucos percebeu-se que aquele lugar era apenas uma miragem para sua mente. Ele sentia que ali não era seu lugar: sentia falta do mar frio e revoltoso, das águas profundas e geladas, apesar ficar sempre sozinho, tão sozinho...

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Mas um dia, sentado na Campina, ele viu um cavalo correr livre, as crinas ao vento, o galopar imponente, guiava seu olhos por entre um caminho, encantado por sua beleza o seguiu: corria atrás dele com tudo o que tinha, cada batida de seu coração, cada suspiro de seu peito, mas o cavalo corria, corria e corria. Até que então, sem dúvidas ou receios, o cavalo saltou pelo desfiladeiro: flutuou no ar como se não houvesse peso, os cascos castanhos dançavam e moviam-se em um balé em pleno céu, a cena que durou segundos para o cavalo desenhou na mente Dele lentamente cada detalhe tamanho a surpresa. O cavalo que já havia pousado do outro lado seguiu viajem rumo ao infinito esvaecendo-se da vista Dele.

Respirou fundo, a ânsia por seguir o cavalo era grande, mas a distância do salto também, abaixo um penhasco rochoso que levava ao fundo do mar, se caísse ali, novamente seria cortado e o mar levaria seu sangue. Se voltasse, nunca mais veria o cavalo e o seu destino final.
Pensou, pensou e pensou.

Deu às costas ao desfiladeiro, deu lugar à insegurança. Deu às costas para ao destino, deu lugar ao medo.

Passou seus dias na campina, não era o que queria.

Desceu ao fundo do mar, não era o suficiente.

Um dia cansou-se, nadou até à superfície, subiu a campina, caminhou até o pé da montanha, respirou fundo, mediu o caminho e correu, fechou os olhos e lembrou-se das paisagens que viu ao correr atrás do cavalo, sentiu novamente o ar à plenos pulmões, a emoção das batidas de seu coração agitado, a adrelina percorrer junto de seu sangue pulsante!

Abriu os olhos: e viu-se flutuando no ar lentamente, o desfiladeiro foi deixado para trás.


Fechou os olhos novamente, e esperou pousar ao chão.

Até hoje não sei se naquele momento ele conseguiu atravessar o desfiladeiro, ou se caiu no fundo do oceano e persistentemente tentou novamente, eu só sei que se fechar os olhos, posso vê-lo apaixonadamente voando acima do desfiladeiro.

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