Bem Vindos!



Bem Aventurados os que entram no Bosque da Lua Carmim!

Se você chegou até aqui, bem vindo!

Se foi convidado, sinta-se à vontade para sentar à volta da fogueira e ouvir As Sete Cantadoras, suas histórias, delírios e mágoas, a assistir às declamações apaixonadas de Eros e o ardor de suas palavras!

Agora, se chegou com as próprias pernas ... bem ... não se engane, por trás da dança, da bebida e da fogueira também está o covil da loba: local onde ela guarda os ossos que desenterra no escuro e lambe as feridas da carne e alma.

De qualquer forma, você está aqui, se seguiu o brilho alaranjado da lua, ou se simplesmente está perdido no escuro, olhe onde pisa e divirta-se, as histórias estão ditas para aqueles que querem ouvir.

Novamente, bem vindos.

domingo, 15 de abril de 2018

Desespero calado - dos sonhos que nunca gostei


Abusos

Havia muito tempo que isso não me acontecia, o medo, o desespero, e o terror. Mesmo me puxaram os pés e a sensação foi tão real, mesmo quando caí dentro do mar fervendo, e quando eu respirava com os pulmões daquilo, fazia muito tempo que o sentimento era tão ruim quanto este:

RESPIRE,

SOLTE,

SORRIA,

NÃO PERCA O CONTROLE,

SEJA GENTIL, O AFASTE COM CUIDADO.

EU NÃO POSSO MAIS.

SOCORRO.

POR FAVOR,

ALGUÉM,

POR FAVOR.


A convocação veio pessoalmente, mesmo que eu fosse a última opção alguém deveria ir à Alemanha fechar o negócio. - Easy cake - , dar alguns sorrisos, puxar alguns sacos, o negócio já estava aceito, eu só levaria alguns papéis para assinatura e deveria ser simpática o suficiente para que eles não desistissem; Apesar disso, meu receio real sempre foi a maldita boca grande, ser extrovertida tem seus defeitos quando trabalhamos com informações confidenciais.

O caminho até a companhia aérea foi fácil, como uma clássica interiorana eu não havia passaporte e visto internacional, essas coisas são para gente chique das cidades grandes. As pessoas eram muito educadas comigo, as simpáticas atendentes sorriam enquanto listavam as informações que eu passava, e me orientavam calmamente como quem explica à uma criança boba. Mas algo não estava correto, mesmo que sorrissem havia amarelado nele de "cuidado" ou de "pobrezinha", o olhar era de pena e descaso.

O corredor do aeroporto era longo e em um material que lembrava um acrílico em tons de amadeirado, amarelo, marrom e dourado envelhecido, poucas pessoas estavam ali, o caminho foi silencioso, ninguém me falava o que estava acontecendo. Os olhares se abaixavam com minha passagem.
(...)

Primeiro veio o cheiro de couro tratado e de móveis bem enceirados, depois a sensação de perigo.
Eu estava sentada, aguardando a chegada deles, dois homens e uma mulher se aproximam, o mais baixinho o gorducho veio me cumprimentar, ele me abraça maliciosamente, passa a mão pelas minhas costas descendo até minha lombar, eu me sinto mal imediatamente.
- não vou reagir, se eu fizer uma cena podemos perder os clientes -, eu riu sem graça e tento sair do abraço, me viro um pouco e tento alcançar a maleta com os papéis para assinatura. Não adiantou, com uma cara pior que anterior, começa a me agarrar e passar a mão no meu corpo grosseiramente, os dedos sebosos procuravam por carne para inspeção.

O pulso acelera, a pupila dilata, - O que eu faço? Não posso dar um escândalo! Será que ele vai me soltar?-

Faço movimentos mais bruscos, lutando contra o toque horrendo, não funciona, quanto mais luto, mais a besta fica sedenta, a minha repulsa é o combustível de sua deturpação.

Entro em desespero: peço por ajuda, eu grito e me debato - Por quê eles não estão fazendo nada? - o desespero ecoa sozinho na sala - Alguém por favor me ajude, ele abusando de mim -, sem resposta - ninguém vai pará-lo.

O nó na garganta chega antes das lágrimas, não consigo sequer gritar mais, o medo e o desespero tomaram conta completamente, o prazer deles inunda a sala com um peso terrível. O outro homem ri, parecendo assistir à um siticon de tendência duvidosa, para ele nada disso era anormal, afinal de contas, não foi para isso que enviariam uma brasileira? A mulher baixa sua cabeça, não conseguia sequer olhar em nossa direção.

O instinto de sobrevivência é mais forte, eu fujo de lá após bater o suficiente para conseguir escapar das mão imundas daquele homem.
Corro sem jeito, havia de voltar para o Brasil, havia uma pessoa que deveria ser meu "guia" de volta, por sorte o encontrei fora do prédio. Mesmo em desespero ele decidiu que seria por bem parar em uma lanchonete tradicional para comermos um sanduíche, ele me acalmaria e me permitiria tirar aquilo da mente. O lugar cheirava à pão assando, carnes e defumando, molhos agridoces e cerveja fermentando; Sentando-se ao balcão podia-se ver um senhor de meia idade trabalhando em uma chapa, ele mesmo preparava os sanduíches e atendia ao clientes, o guia nos pediu uma cerveja. Antes que eu pudesse contar o que havia acontecido ele inicia um discurso sobre sí mesmo e o local que estamos visitando, pouco depois, vejo alguns conhecidos, nos surpreendemos com qual seria a probabilidade de aquilo acontecer, rimos um pouco, eu me despeço polidamente e vou ao encontro do guia novamente. O pedido não fica pronto e não sei exatamente o horário do meu vôo, o guia deveria me entregar a passagem de volta. Quando questionado se comer aquele lanche não me atrasaria para o meu vôo, ele alega que havia se esquecido disso, e disse que eu já estou para ficar atrasada, muito brava eu o chamo de irresponsável, o resultado é uma explosão de raiva desproporcional, sem tempo para discussão eu saio correndo pelas ruas contra o tempo: pego um taxi e um trem, assim consigo chegar ao aeroporto à tempo.
(...)

Os dias passam e o terror que rondava minha mente com aquele abuso diminui, eu descubro na empresa que os homens assinaram os papéis e enviaram por mala direta, ao menos não havia destruído tudo. A vergonha era grande demais para fazer um boletim de ocorrência, ou denunciá-lo para o RH.

Eu caminhava por uma praça despreocupada, repentinamente o abusador se apresenta, faz ameaças e diz que minha denúncia vai acabar com a vida dele, ele não iria permitir isso: ele ia acabar com a minha primeiro, os advogados dele iam me processar por agressão, abuso e chantagem, ele iria sumir com minhas testemunhas, além de cliente ele um influenciador de mercado, eu nunca mais conseguiria um emprego. A minha vida seria destruída.

Novamente o pulso se acelera, o suor frio do medo molha minhas mãos, o terror enche meus olhos de lagrimas, não havia pensado na denúncia, depois de tanto tempo eu seria levada à sério? Minha mente começa e viajar em mil problemas e infinitas formas de me ferrar, o choque me desconcentra da realidade. Ele veio me agredir novamente, as mãos deles prenderam meus pulsos até doer, eu senti a ardência dos calos torcendo a minha pele, dessa vez eu iria apanhar, por sorte me desvencilhei dos primeiros golpes, fugindo praça acima.

Pense, pense rápido.

Aquela ameaça me obrigava a reagir, a procurar testemunhas, e correr contra o tempo, e como eu não havia dito nada na minha empresa, iria ser taxada de mentirosa, desespero, só desespero.
Ele aparece, não será possível fugir desta vez, as mão grudam em meu pescoço, o medo e a falta de ar tomam conta do meu corpo físico.

Eu acordo.
Eu sinto dor.
Eu sinto medo.
Eu sinto o nó na garganta.
Eu não posso mais dormir.
Eu resisto, foi só um sonho.
Eu vou trabalhar.

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