Bem Vindos!



Bem Aventurados os que entram no Bosque da Lua Carmim!

Se você chegou até aqui, bem vindo!

Se foi convidado, sinta-se à vontade para sentar à volta da fogueira e ouvir As Sete Cantadoras, suas histórias, delírios e mágoas, a assistir às declamações apaixonadas de Eros e o ardor de suas palavras!

Agora, se chegou com as próprias pernas ... bem ... não se engane, por trás da dança, da bebida e da fogueira também está o covil da loba: local onde ela guarda os ossos que desenterra no escuro e lambe as feridas da carne e alma.

De qualquer forma, você está aqui, se seguiu o brilho alaranjado da lua, ou se simplesmente está perdido no escuro, olhe onde pisa e divirta-se, as histórias estão ditas para aqueles que querem ouvir.

Novamente, bem vindos.

domingo, 29 de abril de 2018

A jornada dos Reis, suas passagens e ensinamentos - Capítulo 3

Oração nº 11 – A Força do fio de Prata.


Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Augusto dos Anjos



Adeus querida amiga

O General olhava cansado para o trono vazio, novamente não era vez a dele sentar ali, remoía silenciosamente o ódio de ter sido rejeitado: Depois de tudo que havia feito por aquela coroa maldita! O velho rei deveria tê-lo nomeado quando decidiu se retirar! Só ele seria capaz de colocar ordem no reino! Depois de tudo que ele deu! Depois de todos que ele perdeu 

Sim, depois de tudo que ele abriu mão... 

As lágrimas surgiram rápidas aos seus olhos, só as percebeu quando elas já molhavam suas mãos, travou os dentes com tanta força que ele podia os ouvir ranger em seu crânio, a sua face ficou ainda mais vermelha ressaltando os cabelos prateados que decoravam sua cabeça, num movimento feroz fechou os olhos bem apertados, forçando as lágrimas a saírem e a não voltarem a escorrer mais. 

Mas de olhos fechados, ele podia ver cada erro que cometeu que o levou ali, cada falha estratégica que custou ao reino tantos recursos, cada “conselho” que deu custando fiéis súditos e aliados tornarem-se inimigos, em busca de quê? De um trono para sentar-se? De poder? De um lugar para chamar de seu? 

- “Não” – replicou à si mesmo – “Eu mereço estar ali, depois de tantos anos de guerra e de tantas batalhas vencidas, o conselho deveria ter me reconhecido como o único capaz de preencher o lugar velho rei. Eu dancei a dança das lâminas mais vezes que tenho fios de cabelo, eu saí vitorioso sobre terras ainda não desbravadas, eu conheço esse reino como a palma de minha mão.” 

Quando abriu os olhos furiosamente, ele encontrou a bruxa cabisbaixa recolhendo o estandarte com o brasão de sua mentora com muita reverência: dobrava cuidadosamente o tecido de forma que o brasão ficasse voltado para cima, permitindo que o entrames dourados emoldurassem o brasão. Ele a viu colocando o símbolo dobrado sobre o assento da cadeira, e como se estivesse se despedindo, ajoelhou-se uma última vez aos pés daquele lugar como havia feito tantas vezes, levantou-se, fez uma reverência, pegou o tecido e foi-se, deixando a cadeira de negociante chefe vazia. Com o rabo de olho pode ver a aprendiz mais jovem da ex-negociante atrás da coluna de joelhos, atônita, com as lágrimas caindo sem parar de seu rosto. 

A cena o atingiu como uma faca no peito, realmente, de todas as perdas em sua jornada pelo trono, o que ele nunca se perdoaria foram todas as discussões e acusações que levaram à cabo a negociante chefe. A sua cabeça começou a latejar com o remorso, lembrava-se das vezes que a acusou de incompetência e de tentativa de plotar contra ele, de como sujou seu nome nas tavernas em momentos de fúria bêbada por ter planos de ataque recusados pelo conselho à orientação dela. Lembrou-se de como tentou iludir o braço direito dela com promessas de patentes em seu exército caso se juntasse à ele, e de como ele sem querer, fez a cabeça do conselho contra ela, numa inocente tentativa de trazer mais brilho à sua pessoa. 

Tudo em vão. 

Não há mais negociante chefe, não há mais aliados, não há mais súditos, seus recursos agora são limitados, e alguém que ele não conhece sentará-se na cadeira que foi dela, e ascenderia à cadeira que deveria ser dele. 

Só lhe resta a bruxa e a jovem aprendiz, caso estas não saibam como tudo aconteceu, ou caso saibam, que possa acalmar seus corações e perdoá-lo pelo o que fez sem intenção. Ele nunca quis aquilo. 

Pela janela do saguão, ele podia ver luz intensa da pira funerária levantada em homenagem à negociante chefe. A celebração havia começado, mas ele não teria coragem de ir se despedir dela. 

Ademas, ele seria o próximo, mas eles não o levariam sem luta, antes de ter seu pescoço cortado, ele levaria mais alguns com ele, mostraria à todos por que seu brasão era um leão de prata, daria a todos um espetáculo que seria cantado por gerações nas tavernas, o dia que a juba prateada do leão dançou a dança das lâminas sua última vez, e talvez com sorte, iria se redimir dos seus erros. 

Mas até lá, ele teria que ser forte, como sempre foi, afinal de contas, ele ainda não estava derrotado. 


- Contos da Jornada da Conquista, A Pira Funerária – Prólogo.



Nenhum comentário:

Postar um comentário